02. Perigo de três pernas
Quando Lin Shan saiu do banho, já haviam se passado quase uma hora. Ele ficou tão assustado que quase caiu de bunda no chão do banheiro. Estava tentando aceitar tudo o que acontecia ao seu redor. Sua própria morte, assim como seu renascimento, ou o que fosse.
O que ele achava mais incrível, no entanto, era a semelhança inenarrável que este corpo tinha consigo mesmo. O que poderia diferenciar entre eles era apenas o cumprimento do cabelo, que vinha até a cintura e a cor dele: um tom encantador de rosa neon. Até mesmo as três Marias abaixo do olho esquerdo eram as mesmas!
Isso podia ser um mundo paralelo em que o seu eu deste mundo conseguisse dar certo na vida? Por alguns segundos se sentiu invejoso, mas logo descobriu que isso era burrice. Ling Shan agora estava morto, era ele quem vivia. Ainda que alguns sentimentos remanescentes estivessem presentes, trabalharia duro para que esse jovem pudesse descansar em paz.
— Esse cara sou eu mesmo? – ele se deu alguns tapinhas de leve no rosto. – É incrível.
Os olhos puxados arrogantemente para cima, mas traçando uma suavidade, o nariz empinado e perfeito, até mesmo a maciez de seus lábios eram os mesmos. Seu corpo sem muitos músculos, mas também não tão magro. Era aterrorizante o fato de que tinham tatuagens iguais no mesmo lugar. Nas costas uma caveira no meio das rosas. Uma cruz em cada indicador e dedos médios das mãos e outra no final da coluna. Lin Shan simplesmente gostava do fato que sua altura continuava a mesma. Seus bons 1,85cm continuaram.
— E eu não sou mais virgem também. Porra… Quem é aquele cara também? Lunático pervertido!
Lin Shan amarrou o cabelo num coque qualquer e ali mesmo, vestiu-se o mais rápido que pôde.
Ele deveria descobrir mais sobre esse mundo, mas primeiro: Cheng Yin.
Esse cara que tirou sua virgindade e também a maior perdição para esse corpo, era um perigo ainda maior.
“Primeiro vamos apenas agir normalmente… Mas, como é normalmente?”
— Acalme-se Lin Shan! Apenas seja você mesmo.
Mas…
Há duas horas, ele estava em… Outro mundo?
Há duas horas, ele era um virgem fracassado aos 30 anos de idade!
Há duas horas, ele era uma pessoa comum!
Bem, e no momento atual em que se encontra, ele não era mais um fracassado, não era mais virgem e tinha o seu sonho na palma das mãos. Isso era bom ou ruim?
— Definitivamente bom! – Ele gritou dando pulinhos de alegria.
— Ling Shan! Quanto tempo vai ficar nesse banheiro? Por acaso decidiu se matar de vez? – Várias batidas fortes na porta, interromperam seu momento feliz. – O motorista já está no estacionamento!
— Estou saindo A-Cheng. Já estou finalizando a maquiagem!
Ling Shan também usava maquiagens pesadas, com um olho preto esfumado e batom escuro, além dos piercings na orelha e seu eterno costume de usar o preto para se expressar. O preto estendia-se também às suas unhas coloridas. Ele era um típico metaleiro punk.
Embora gostasse desse estilo, este garoto podia ser um pouco mais versátil para escolher roupas! Usar roupa social com essas roupas ou já era maravilhoso na visão de Lin Shan!
Nada disso importava, por que afinal, mais tarde, ele daria o que quisesse.
Lin Shan sorriu e arrumou a camisa com estampa aleatória dentro da calça preta rasgada e colocou um óculos escuros de lentes arredondadas no rosto. Amarrou o cadarço do coturno de cano médio e abriu a porta.
O sorriso em seu rosto desapareceu e ele foi direto para a mala no canto do quarto, puxando sua alça.
— Tão cooperativo? – Cheng Yin riu.
Lin Shan apenas ignorou toda a pessoa loura e divina ao seu lado e arrastou a mala até o corredor.
Cheng Yin não estranhou sua atitude, afinal Ling Shan não era uma pessoa com temperamento e atitudes estáveis. Ele era muito mimado, sempre aprontando algo para que Cheng Yin tivesse trabalho em fechar bocas e mandar presentes.
— Espero que se comporte esta noite, essa apresentação é muito importante para esse ano. – Ele apertou o botão do elevador. – Além disso, é promovido pela Zhuo Entertainment. Você deve manter a compostura.
— A empresa que é rival da empresa do meu pai? – Ele perguntou naturalmente, como se ele próprio fosse Ling Shan.
Cheng Yin acenou positivamente e Lin Shan ficou pensativo.
Essa era uma boa oportunidade para ele. Mesmo que esse perigo ambulante não dissesse, Lin Shan faria o que fosse preciso. Afinal, era sua primeira apresentação e num palco enorme. Daria o seu melhor. Além disso, as músicas no repertório de Ling Shan eram conhecidas por ele.
Clássicos famosos do rock, como as músicas da banda Queen, Metallica, ACDC e Red Hot Chilli Peppers eram todos monopolizados por ele e essas bandas tão conhecidas no mundo musical não existiam nessa Terra.
Bem, como não existiam essas bandas nesse lugar, Lin Shan faria bom uso de seu conhecimento.
O único problema era sobre a questão de direitos autorais. Nesse mundo era impossível praticar pirataria. Caso um indivíduo cometa pirataria, a sentença mínima seria de trinta anos. Ou seja, embora não existam essas bandas nesse mundo, Lin Shan deveria tomar cuidado ao pegar emprestado essas músicas. Felizmente, ele não achava problema em estudar esse tipo de objeto.
Ele sorriu maldosamente, quando as portas do elevador se abriram.
— O que você está pensando em aprontar, Ling Shan? – O louro questionou, com um olhar duvidoso. – Não tente nada de estranho, não tenho tempo para limpar as merdas que você faz!
— Cheng Ge… estou apenas de bom humor… – Ele abriu ainda mais o sorriso. – Além disso, vou me comportar melhor se Cheng Ge me der um beijo bem aqui. – Apontou para os lábios.
— Controle-se. – Suspirou profundamente.
Lin Shan, passou por ele e entrou no carro deixando a mala para trás. Cheng Yin revirou os olhos, cansado e entregou a mala para o motorista. Ele entrou no carro logo em seguida.
Assim que se sentou, ele puxou o colarinho de seu artista e o encarou por um segundo antes de atacá-lo com um beijo feroz. Cheng Yin alcançou um botão vermelho e um vidro escuro subiu, separando a parte da frente com a de trás do carro.
Cheng Yin o deitou no banco e se posicionou entre as pernas de Lin Shan.
— Você… — Lin Shan estava sem palavras.
“Esse cara é algum tipo de animal?”
— A-Cheng… aqui não-ah! — Lin Shan o sentiu pressionar seu corpo contra ele.
“Se ele é um animal, eu devo estar no cio! Esse Ling Shan era ainda pior!”
Quando chegaram no aeroporto, o jovem cantor ainda estava num estado febril de êxtase.
Uma multidão de fãs os aguardava, mas foi uma pena para eles, o seu cantor havia passado por uma entrada lateral e já estava indo direto para o avião.
— É uma pena. Eles ficarão desapontados. — Lin Shan comentou casualmente, lembrando-se da animação daqueles fãs.
— Qual o problema? Você sempre reclama em ter que lidar com fãs! — Cheng Yin tirou um cigarro do bolso e o acendeu. — Quer um?
— Não quero foder com minha voz. — Ele retrucou sem pensar e logo ouviu uma risada. — O que diabos está rindo?
— Agora você tem consciência? Não seja ridículo Ling Shan! Se esqueceu do porquê termos ido para aquele hotel? — Cheng Yin se aproximou. — Eu peguei você na merda de um prostíbulo, entupido de drogas!
Lin Shan havia descoberto como seu sósia havia morrido. Não era de prazer na hora do sexo, mas de drogas, durante o sexo. Isso traria problemas futuros.
Ele apenas sorriu e lhe deu uma resposta satisfatória.
— Às vezes, eu posso ser lúcido também. — Ele falou e logo depois bocejou e subiu as escadas para entrar no jato particular. Ele parou na porta do avião, tirou uma foto e postou.
“Nos vemos em breve, na cidade H.”
Mal sabia Lin Shan que essa curta viagem lhe renderia os maiores escândalos da carreira!
Assim como o aeroporto da cidade B, uma multidão de fãs os aguardava, mas novamente, o fracasso os aguardava. Ele não poderia aparecer em público como estava.
Ao menos nas redes sociais existiam filtros suficientes para tapar todo seu rosto de olheiras profundas.
Foi como Cheng Yin havia dito. Ling Shan estava num prostíbulo fazia quase dois dias, vivendo à base de porcarias, drogas e álcool. Todo o corpo estava marcado e parecia que havia sido atropelado por cavalos. Tudo havia piorado depois que aquele animal o obrigou a fazer exercícios matinais. Não havia lugar no seu corpo que estivesse bem.
Além disso, a agenda dos próximos dias que havia verificado, estava cheia. Um festival e duas apresentações na Cidade H, além de sua própria festa de aniversário. Todos os anos, era quase como uma festa envolvendo quase toda a elite artística. E, que por algum motivo, terminava numa orgia.
Ele balançou a cabeça quando entrou no seu carro. Não sabia como era possível viver assim.
— O que tanto te mantém calado? — Cheng Yin perguntou desconfiado.
Lin Shan olhou-o, com uma expressão quase morta.
— A vida é uma merda que deveríamos deixar quieta. Se mexermos muito, não vamos suportar o fedor e a podridão. — Sua voz era calma, mas havia uma fraqueza disfarçada. — Não acho que conseguiria muito mais estar imerso nessa podridão.
Ele falou e olhou para o lado de fora, era a mesma cidade que conhecia e cresceu. Mas, não havia aquele sentimento de alegria ao encarar o conhecido. Eram os sentimentos remanescentes de Ling Shan e ele não pôde deixar de sentir os olhos marejarem.
“Merda”, praguejou em pensamento.
— É bom que veja sua realidade. Sem mim, seu mergulho seria pior. Então trate-se de comportar.
— Cale a boca! Não preciso dos seus sermões! — Nesse ponto, tudo estava nublado em sua visão. — Senhor Kin, deixe-me no hotel de sempre. — Falou para o motorista.
— Como o jovem mestre deseja.
— Não vai voltar para casa? — O cara loiro perguntou.
Lin Shan engoliu o choro e respondeu:
— Aquilo é chamado de casa? — Riu com escárnio.
Se havia outra relação que deveria ser cortada era com a família Ling.
Aquele lugar era pior que uma prisão de segurança máxima. O chefe da família, Ling Tan, era um homem velho, estoico e rude. Um pragmático tradicionalista que se preocupava apenas com sua imagem. Desde a juventude, sempre foi muito bem sucedido e nos dias atuais tornou-se um dos homens mais ricos de Huaxia, um empresário do ramo de construções. Nunca ligou para sua família, deixando-a quase abandonada na mansão fria.
Sua esposa, Ji Meixiu, foi uma modelo famosa no passado, marcada pela graciosidade e pureza, assim como seu nome, mas assim que se casou tornou-se uma mulher amarga. Devido às amantes do marido, estava sempre desconfiada até mesmo de sua sombra. E, quando Ling Shan nasceu, ela quase tentou matá-lo.
Ji Meixiu só teve paz quando a filha do meio nasceu. Ling Meili foi a graça e primavera em sua vida. Portanto, nunca deixou de mimar sua filha, esquecendo-se do mais velho. Ling Meili cresceu como uma típica segunda geração rica mimada tendo o mundo aos seus pés.
Tudo piorou com a chegada de Ling Ai.
Na época, Ling Shan tinha oito anos e numa noite, escutou os gritos de sua mãe no quarto ao lado do seu. Embora a mãe nunca lhe desse atenção, ele não poderia deixá-la sofrer. O pequeno garoto não sabia o que significava aquela visão que teve de seu pai sobre a mãe e ela chorando. Mais tarde, ele descobriu que a mãe, naquele dia, havia sido violentada pelo seu pai.
E desse abuso, o pequeno Ling Ai, nasceu. Ji Meixiu o rejeitou de todas as formas e assim, o pobre garoto inocente foi jogado para as empregadas para serem criadas.
Ling Ai, foi a pessoa mais próxima de Ling Shan naquela casa e ele sempre o protegeu da forma que podia. Era a única pessoa que o prendia àquela casa.
Então, o Ling Shan de dez anos começou a trabalhar para suceder o pai na empresa, em vez de deixar esse fardo para Ling Ai. Infelizmente, isso não durou tanto tempo.
Quando Ling Shan completou quinze anos, ele não suportava mais aquela casa e encontrou na música seu refúgio. Embora quisesse proteger o irmão era insuficiente apenas ser o sucessor, então decidiu traçar esse caminho difícil da música e se tornar tão influente quanto seu velho pai.
Aos dezesseis fugiu de casa e nunca mais voltou.
Mas nem tudo sai como planejado. Ele conseguiu ter seu nome e poder, mas conheceu outro demônio em seu caminho.
Lin Shan deveria cumprir o desejo de seus antepassados. Ele tiraria aquela criança daquela casa!
— Você se esqueceu, Ah-Cheng? Só vou voltar para aquela casa por Ai’er.
Cheng Yin encarou Ling Shan de volta. Ele tinha um mal pressentimento com o Ling Shan que havia acordado essa manhã.
— Jovem Mestre, chegamos. — O motorista quebrou a troca.
O cantor suspirou fundo, limpou as lágrimas no rosto. Alguém abriu a porta para ele e quando Ling Shan ia sair, foi puxado de volta.
— Não faça nada estúpido, Ling Shan. Um erro e toda sua carreira será levada pelo rio. — Cheng Yin o alertou e forçou um beijo rápido.
Nenhum dos dois fechou os olhos. Ambos pareciam se encarar com um ódio fulminante.
Cheng Yin não teve resposta e se jogou no banco do carro, exausto.
Por outro lado, Ling Shan estava cercado por seguranças quando entrou no hotel. Ele também estava exausto dessa vida e não tinha nem um dia que ele estava nesse corpo.