05. Duas Faces
A aparência de uma pessoa não diz muito sobre ela e era assim com Zhuo Yang.
Em sua carreira, conhecido como um modelo de sucesso, um empresário filantropo e muito dedicado, além de ser um talento único quando se tratava de produção musical.
Como pessoa, ele não saía das colunas de fofoca. Toda semana, havia alguma nota sobre ele e seus amantes. Fosse homem ou mulher, não existia muita distinção para ele e ele vivia de acordo com seus desejos. Ele tinha tantos inimigos quanto amigos, e ambos vinham aos montes.
Mas, tudo isso era uma grande fachada para sua verdadeira face. No mundo atrás dos palcos ele era conhecido como Rei do Inferno.
O mundo do entretenimento sempre esteve ligado ao mundo do crime, era o que Zhuo Yang sempre dizia ao irmão mais novo e ele nunca foi uma pessoa santa para não deixar de fazer parte dessa vida. Afinal, ele precisaria de toda e qualquer carta no baralho para derrubar Cheng Yin do pedestal que o próprio criou.
Não era incomum encontrar um modelo que se prostituía ou um ator ou atriz que dormia com várias pessoas para pegar um atalho e entrar pela porta dos fundos. Ele fazia parte desse meio, mas como a pessoa que tinha dinheiro e influência para fornecer a outras pessoas. Em hipótese alguma, usaria seu corpo como moeda de troca para algo.
E era essa pessoa nada santa que estava espancando outra no porto da Cidade H durante o sol do meio-dia.
— Dê-me um lenço Tio Zhao. — Ele falou com seu subordinado ao soltar o indivíduo no chão de qualquer jeito.
Ele jogou o cabelo para trás deixando seu belo rosto a mostra e deu um suspiro longo. Estava cansado após passar um bom tempo exercitando. Sua mão estava coberta pelo sangue, assim como sua camisa branca.
— É muito difícil encontrar alguém tão leal. — Deu um sorriso de lado. — Atualmente, até a pessoa que dorme ao seu lado poderia trocá-lo por alguns milhões de dólares. Então é incomum ser tão leal ao cachorro manda em você, Senhor Moralles. Sinto inveja desse cão.
Sua expressão ficava cada vez mais sombria e perigosa ao passo que falava. As pessoas ao redor mantiveram-se ainda mais quietas. Era incomum o chefe fazer o trabalho diretamente. Isso implicava seu extremo mau-humor e o porquê da vítima estar a um passo de ser mandado para um frigorífico humano.
— Mark, tente tirar algumas palavras desse idiota. — Ele olhou para o homem que tremeu sob seu olhar. — Se ele não der algo útil, mande alguns presentes para a esposa dele. Provavelmente ela adoraria ver a cabeça do marido dela que está desaparecido.
O homem que aparentava morto começou a se debater. Sua fala saía estranho, logo que faltavam dentes em sua boca, além da dor que vinha de todo o seu corpo.
Mas Zhuo Yang não deu uma segunda olhada. Já tinha extravasado seu mau humor e não queria justamente matar alguém. Ao menos suas mãos estavam limpas até hoje, quer dizer, nem tanto.
Ele riu desse pensamento ao tirar a camisa manchada de sangue. Desabotoou os botões do punho e os frontais jogando o tecido num grande latão. Tal ação revelou um desenho em suas costas. Uma tatuagem colorida se estendia da nuca até o quadril, representando um dragão chinês entre flores de pêssego.
Um de seus subordinados se aproximou rapidamente com um novo par de roupas. Este era um dos gêmeos, que trouxeram a notícia do traidor, ou melhor, da toupeira que se escondia em seu lado.
— Além de passar pelo Replay tenho mais algum compromisso importante? — Ele perguntou ao pegar outra camisa.
— Há uma reunião com os chefes no escritório.
Zhuo Yang terminou de abotoar a camisa e pegou o blazer.
— Desmarque. — Respirou fundo impaciente. — Não estou a fim de escutar aqueles velhos falarem merda hoje.
— Mas, chefe… Já é a terceira vez que você…
— Escute o seu secretário, Ge. — E um tapa estalou em suas costas.
Ele podia sentir a raiva se elevando. Pela voz, reconheceu o dono e sua vontade de espancá-lo era ainda maior.
— Miller, o que diabos está fazendo aqui? — Zhuo Yang perguntou.
— Soube que meu amigo estava por perto. — Abriu um sorriso amigável. — Vim cumprimentá-lo. A vida tem ficado complicada na região. Não posso deixar um parceiro se machucar.
— Se quer dizer algo importante, apenas fale. Não tenho tempo para suas bobagens. — Zhuo Yang retrucou, caminhando direto para o carro.
Zhuo Yang bufou, sem olhar para trás. Ele não queria se envolver em conflitos naquele momento, especialmente com Miller, que vinha causando mais problemas do que soluções.
Miller seguiu Zhuo Yang, mantendo o sorriso amigável, mas sua expressão corporal revelava quão tenso ele estava.
— Entendo sua pressa, mas há algo que precisa saber. As notícias correm muito rápido e já chegou aos ouvidos de Ling Tan que você ajudou o mais velho dele.
Zhuo Yang parou abruptamente ao ouvir o nome de Ling Tan. Ele esperava que a situação fosse relatada, mas foi rápido demais até para um espião. Virou-se para encarar Miller com seriedade.
— O que está falando Miller? — Ele manteve sua voz firme. — Eu nunca tive qualquer relação com Ling Shan a não ser profissionalmente. Nunca tive contato com ele. — Mentiu descaradamente.
O outro sorriu incrédulo.
— Fiz meu trabalho de avisar. — Levantou as mãos em rendição. — Já não tenho mais nenhuma relação com qualquer outra situação que ocorra.
Tomando uma postura fria, Zhuo Yang calçou as luvas e olhou diretamente para os olhos escuros daquele gângster local.
— Se você quer ameaçar alguém Miller… — Ele pausou por um momento enquanto abria a porta do carro — é preciso primeiro, ter poder. Não tente me ameaçar quando você não passa de uma mosca.
Miller ficou momentaneamente atordoado com a resposta do outro. Ele sabia que esse homem jogava duro, mas não podia recuar tendo em vista que seu chefe era tão perigoso quanto ele.
— Não me subestime! Um dia, ainda você vai implorar por minha ajuda!
Zhuo Yang não se intimidou, pelo contrário, sua vontade era de rir. Ele se segurou, mas respondeu ainda com indiferença:
— Seu homem está lá dentro. — Ele deu uma risadinha travessa. — Talvez consiga achá-lo vivo. Mark anda um pouco agressivo ultimamente.
Em seguida, ele entrou no carro, sem esperar por uma reação, ligou o motor, deixando Miller para trás, tão surpreso com a audácia e despreocupação de Zhuo Yang. Ele jurou a si que nunca mais daria o gosto de tentarem humilhá-lo ou algo do tipo. E também, com isso, descobriu um novo problema. Não era somente um espião de baixo nível, havia mais alguém espreitando nas camadas mais altas em seu reinado no inferno.
†
A sessão de fotos, programada para começar de manhã, foi um completo caos. O fotógrafo chegou atrasado devido a questões pessoais e a maquiadora quase teve um ataque cardíaco ao ver o estado do cantor. Ela precisou tomar um chá calmante ao se deparar com inúmeros hematomas espalhados pelo corpo de Ling Shan.
Nesse ponto, o atraso do fotógrafo acabou sendo benéfico, pois a quantidade de maquiagem necessária para cobrir as marcas no corpo do cantor era significativa. No entanto, ninguém ousou questionar Ling Shan. Seu temperamento era conhecido por ser extremamente volátil e perigoso.
A única pessoa com paciência e coragem em todo o estúdio era Donnah, que havia convencido Ling Shan apenas a pintar o cabelo. Ela o lembrou o quanto ele implorou ao seu estilista pessoal para deixar o cabelo crescer e que no final, se tornou sua marca registrada.
— Não se esqueça que todo o planejamento do novo álbum teria que ser mudado caso você decidisse trocar o seu visual por completo. — Ela falou enquanto mastigava o salgadinho. — Apenas aguente até finalizarmos o tour pela Europa.
O cantor pensou um pouco e percebeu que fazia sentido as palavras de sua assistente.
— Tudo bem, Donnah.
Supernova, o domínio dos vilões, trazia o conceito da ficção científica e, como o próprio nome sugere, explorava a ideia da vilania e da toxicidade nos relacionamentos. Com duas músicas escritas pelo próprio cantor, o álbum abrangia desde o amor inocente até a transformação da pessoa amada em um vilão e até mesmo a autorreflexão sobre seus próprios demônios.
Ling Shan acreditava que, de alguma forma, o original já havia percebido o quão difícil sua vida tinha se tornado e decidiu transformar suas experiências em seu trabalho artístico. Essa percepção levantava uma audaciosa suspeita: seria possível que a overdose por drogas fosse realmente um acidente?
A questão pairava em sua mente, provocando uma mistura de curiosidade e preocupação. Se ele estava determinado a usar sua música como uma forma de expressão, provavelmente, em breve, o original poderia expor todas as mentiras.
Seus últimos show’s, antes de sua morte, ele carregava um sentimento pesado sobre os palcos, uma agressividade incomum até mesmo para ele.
O público também começou a notar essa nuance mais perigosa que seu ídolo estava demonstrando. Essa percepção só aumentou quando ele percebeu o nível de alerta que aquele louro desbotado estava lançando em sua direção.
Se ele quisesse se libertar dessa vida caótica Ling Shan sabia que precisava traçar um plano meticuloso. Ele não podia simplesmente escapar de forma impulsiva e desorganizada. Cada passo precisava ser calculado para garantir sua segurança e seu futuro.
— Chefe, entendo que as coisas não estão tranquilas, mas tente relaxar.
Percebendo o comportamento estranho e quieto de Ling Shan, a assistente ficou preocupada. Não era a primeira vez que ocorria uma cena daquelas, mas era a primeira vez que Ling Shan ficava tão mal e pensativo.
— Estou bem Donnah. — Ele sorriu estranhamente e olhou a mulher pelo espelho do camarim. — Só estou pensando em como poderei estrangular alguém.
As duas mulheres que o acompanhavam sentiram um arrepio percorrer suas espinhas.
— Está finalizado. — A maquiadora cortou o silêncio perturbador.
Trocando o rosa pelo preto, Ling Shan sentia-se mais confortável.
— Precisa de ajuda com a roupa?
Se havia outro problema, era que o cantor fajuto não gostava de se trocar na frente de outras pessoas. Não gostava de expor o corpo sujo e quebrado que ele tinha e detestava quando as pessoas questionavam coisas e situações que não lhe diziam respeito.
Mas, como o traje era um pouco difícil de vestir, a tão famosa pergunta que não poderia ser feita, acabou escapando.
— Não.
Quando Ling Shan apareceu para a sessão de fotos, todos dentro do estúdio ficaram estupefatos.
O traje começava com um sobretudo de couro, ajustado ao corpo do cantor, com estrelas prateadas em torno dos ombros e punhos. Trazendo um recorte angular e recortes futuristas, criando uma aparência de tecnologia, pequenas luzes de led escondiam atrás desses recortes e traziam um brilho sutil, adicionando um toque do espaço e brilho das estrelas.
A camisa sob o sobretudo, um cropped feito com material holográfico que poderia refletir as luzes do palco. Através desse efeito, ele parecia ganhar vida enquanto caminhava pelo estúdio.
Para completar o visual, as calças pretas simples, com um recorte mais social e próximo ao corpo, mas com fitas de led na lateral, dando ilusão de movimento constante.
As botas coturno de cano longo com o solado iluminado, criando um efeito de “pisar nas estrelas” enquanto ele se move. E por fim, um cinto de couro preto com fivela metálica e prateada, trazendo algumas correntes em mesma cor.
No pescoço, o cantor usava uma gargantilha de metal com um pingente em forma de símbolo estilizado de um planeta distante. Esse símbolo representa a jornada do cantor pela galáxia da música e sua busca por novas experiências artísticas.
Para o toque final, seus cabelos penteados uniformemente para trás, mas ainda trazendo movimento e suavidade e brincos discretos de diamante negro.
A maquiagem em seu rosto, ao contrário de sua roupa com um ar totalmente pesado, trazia naturalidade, ressaltando seus traços naturais.
Havia uma fofoca no círculo do entretenimento, ninguém sabia onde começou, mas todos diziam que Ling Shan era o mais bonito entre todos quando estava calado. Bem, essas pessoas acabaram de comprovar isso. Ling Shan era realmente o mais bonito ao natural.
Ele sorriu envergonhado ao notar que a atenção de todos estava sobre ele e recuou um pouco. Foi nesse ponto que Cheng Yin chegou ao local de estúdio e ficou levemente atordoado com a figura de Ling Shan. Ele não podia negar que era difícil ver seu cantor dessa forma.
Felizmente, ele não entrou no estúdio. Seu celular estava vibrando o dia todo com mensagens e ligações de Ling Meili. A carranca em seu rosto podia ser notada a quilômetros.
E todas as vezes que a atendia, a voz estridente da mulher o levava ao inferno. Casar-se com Ling Meili foi a pior escolha de sua vida. E agora, ainda teriam um filho.
Ele observou de longe durante toda a tarde a sessão de fotos e ficou um pouco surpreso com o quão à vontade ele estava em frente ao obturador, algo que normalmente seria difícil. Parecia outra pessoa.
— Cheng’e. — Donnah, ao perceber a presença de seu companheiro de trabalho, decidiu se aproximar.
O cumprimento veio em forma de aceno.
— Não vai entrar? Você gosta de vê-lo fotografar. — Donnah sondou o clima.
— Estou bem por aqui. Ele está indo bem, se eu entrar vou atrapalhar.
— Vocês deveriam se resolver. — Sugeriu — Agora estão ligados por sangue e você vai ser o pai do sobrinho dele.
Cheng Yin tirou os olhos de Ling Shan e voltou seu olhar para a mulher. Com um sorriso amargo, ele respondeu:
— Não temos muito o que resolver, querida. — Tirou um cigarro do bolso. — E não tente se intrometer em assuntos de terceiros.
— Só estou dando um conselho. — Respondeu suavemente.
— Não preciso de um conselho… — Ele pausou para acender o cigarro — muito menos um conselho seu, Donnah.
A mulher revirou os olhos com raiva e saiu, deixando o louro com um olhar assassino. Esse assunto deveria ser resolvido entre os dois e mais ninguém deveria interferir.
Ele deu uma tragada profunda no cigarro, deixando que a fumaça se dissipasse no ar. A tensão dentro dele continuava a crescer, alimentada pelas frustrações e arrependimentos que carregava. Ling Shan era um fardo que Cheng Yin que estava cansado de carregar.
╰☆╮
Pequeno teatrinho
Ling Shan: Qual o sentido da vida?
Zhuo Yang: Andar para frente.
Cheng Yin: Linha reta.
Ling Meili: O bastardo devolver meu marido já tá de bom tamanho.