10. Devo agradecê-lo com um jantar
Enquanto aguardava seu acompanhante, Ling Shan se lembrou que pretendia fazer algo e se sentou num dos bancos do parque.
Puxou o celular do bolso e discou o número de um conhecido antigo. Se esse fosse um mundo paralelo e essa pessoa realmente existisse aqui, havia a possibilidade de o contato telefônico ser o mesmo.
Lin Shan o havia conhecido quando era calouro no curso de astronomia. Naquela época, embora gostasse do curso, estava enlouquecido por não conseguir seguir em frente com seu sonho. Frequentemente, ele faltava as aulas para se encontrar com um veterano.
Esse veterano era do curso de direito, e posteriormente fez um concurso público e foi trabalhar na delegacia especializada em tráfico. Durante o tempo em que esteve perto dele, trocou flertes e muitas carícias com ele, mas como ambos eram inexperientes, nenhum deles quis seguir adiante. O máximo que chegaram foi bater uma punheta juntos no banheiro do prédio abandonado.
Infelizmente, devido a uma intriga causada por uma terceira roda, não continuaram a se ver.
Dois toques e a ligação foi atendida.
∟Como conseguiu esse número? — Também é o mesmo.
— Esse é o contato de Chun Hai? Preciso de um trabalho.
A ligação ficou em silêncio por alguns instantes, antes do outro lado responder:
— Ainda não me disse como conseguiu esse contato.
— Já deve ter descoberto minha localização, Senhor Chun. — Ling Shan relaxou no banco deixando sua cabeça cair para trás. — Descobrir quem sou eu não deveria ser difícil. — Provocou. — Que tal olhar nas câmeras?
Chun Hai era o mesmo. Ele nunca soube se era por causa do trabalho alternativo de hacker ou do seu passado que desconhecia, mas nunca soube de alguém mais desconfiado que esse homem.
∟Ling Shan, cantor. — Chun Hai respondeu. — Por que alguém tão conhecido procuraria alguém tão desconhecido?
— Podemos nos encontrar pessoalmente amanhã? Há coisas que não devem ser ditas por um aparelho. Quem sabe o que poderia vazar?
∟ Eu mando a localização.
— Não. Encontre-me no hotel, apenas diga seu nome para a recepcionista.
Chun Hai desligou logo em seguida.
— Ainda um esquisito… — Reclamou baixinho. — Que idiota sem coração!
— Falando com um homem enquanto me espera? Estou me sentindo traído, Senhor Ling! — De repente, um zumbido em seu ouvido.
Ling Shan deu um pulo do banco, assustado. Ele nem precisou abaixar a cabeça para descobrir o dono daquele barítono incrível.
— Nunca mais faça isso! — Ele colocou a mão sobre o peito, estava batendo rápido demais.
Zhuo Yang riu.
— Não é minha culpa. Estava tão concentrado…
O cantor guardou o celular no bolso de dentro do sobretudo. Zhuo Yang estava sentado ao seu lado, também com uma máscara no rosto. Seus olhos verdes através dos óculos eram encantadores e alegres.
Sua pele estava arrepiada, em todos os lugares, em lugares que provavelmente não sabia que poderia se arrepiar. Esperava sinceramente que Yang Ge não reparasse nas orelhas, que queimavam em vergonha deixando-as totalmente vermelhas.
Ling Shan tossiu falsamente e esticou a mão, puxando a do outro homem.
— Vem! Hoje Yang Ge, vai comer o melhor macarrão de Huaxia. — Sorriu.
Aos olhos de Zhuo Yang, o cantor fajuto tinha um brilho agradável e confortável diferente daquilo que já tinha visto ou investigado sobre Ling Shan. Ele sabia que celebridades criavam uma identidade para o público, mas mesmo no privado, esse cantor era o mesmo de sua imagem pública. Um completo lunático.
E mesmo entendendo a verdade sobre esse problemático cantor, estava disposto a se envolver com ele. Ling Shan era a peça que faltava para seu maior desejo se realizar. Mas… parecia que Ling Shan era alguém totalmente diferente. E foi esse Ling Shan diferente que saiu o puxando pela mão enquanto andava pelos becos da cidade. Era uma parte de H que não conhecia.
Era um local próximo a uma universidade, porém bem escondido. Ling Shan se aproximou como se fosse um frequentador assíduo daquele lugar.
— Senhora, prepare dois especiais! — Por debaixo da máscara, provavelmente havia um sorriso e ele virou para trás. — O que vai querer beber?
Zhuo Yang desviou o olhar para o cardápio pendurado no teto do trailler. Não havia muitas opções e eram todas bebidas baratas, na qual
A proprietária olhou para os dois, vendo-os de mãos dadas, já adivinhando que provavelmente o casal eram duas celebridades.
“Isso vai atrair mais clientes hoje.”, ela pensou.
— Pode ser chá quente. — Tirou os olhos do cardápio para Ling Shan, seguindo para a proprietária. — Olá senhora. — Zhuo Yang cumprimentou.
Dois rapazes bonitos e bem educados! Isso era tão raro!
— Dois, por favor.
A proprietária soltou um suspiro apaixonado e prometeu a si mesmo que faria as duas tigelas de macarrão muito caprichadas. Cantarolou enquanto preparava.
— Como conheceu esse lugar? — Puxou uma cadeira para Ling Shan.
— Obrigado. — Agradeceu. — Acaso do destino depois de uma escapada. Espero que não fique desconfortável… é bem simples…
Zhuo Yang puxou uma cadeira e se sentou, mas parecia tão deslocado daquele lugar.
Ele vestia um terno cinza escuro, camisa branca e a gravata da mesma cor do terno. Também havia um relógio dourado em seu pulso e todo o tecido estava próximo ao corpo, delineando cada curva abençoada.
O empresário aproximou o corpo da mesa.
— Gostava muito desses trailers na época da faculdade. É pura nostalgia para mim. — Respondeu ao se sentar.
— Fico realmente feliz. — O cantor coçou a nuca. — É a primeira vez que levo alguém para ”jantar’.
Zhuo Yang arqueou a sobrancelha.
— Primeira vez? — Perguntou, curioso.
— Oh! Não é a primeira vez que saio assim com alguém… é só a primeira vez que eu chamo… — Ling Shan estava levemente envergonhado.
Dois homens bonitos juntos, sempre chamaria atenção e como Ling Shan havia retirado o boné, seus longos cabelos caíram sobre os ombros, como se fossem seda e, algumas pessoas já o tinham reconhecido apesar da máscara. Zhuo Yang também era uma celebridade.
— Não se preocupe. Sempre ando acompanhado.
Eles se encararam por alguns instantes.
— Certo. — Ling Shan desviou o olhar e em seguida, voltou a olhá-lo colocando os braços sobre a mesa. — Obrigado pelo outro dia Yang Ge, a situação poderia ter sido pior se não fosse por você. E também gostaria de me desculpar por isso…
— Não por isso. Seria desumano deixar alguém naquela situação. — Zhuo Yang esticou sua mão até o rosto de Ling Shan notando que a máscara tinha uma dobra e ajeitou, em seguida, deixou sua mão, fazendo carinho.
Ling Shan manteve seu olhar e não recuou.
Ele teve um insight a cerca dessa pessoa e sorriu. Era o mesmo que ele.
Nesse ponto, a proprietária se aproximou da mesa trouxe as duas tigelas de macarrão e dois copos de chá quente.
Envergonhado, o cantor se afastou e tentou focar na tigela de macarrão fumegante. Sua boca encheu d’água.
Ambos agradeceram. E como seria impossível comer de máscara, eles a retiraram. Tal ação, chamou atenção daquelas poucas pessoas em volta. Era início da noite, o horário mais movimentado do decorrer do dia. Muitos deles, já tiraram os celulares para fora a fim de uma foto.
Felizmente, mais tarde, nenhuma dessas fotos vazaram, já que aqueles que acompanhavam Zhuo Yang fizeram seu trabalho com maestria. Bem, exceto por uma, mas isso é assunto para mais tarde.
— Mas, você não me ajudou e veio até aqui apenas por intenções puras. — Seu sorriso desapareceu. — Não parece ser uma pessoa desse tipo.
Zhuo Yang o analisou por completo enquanto ele pegava um pedaço de carne de porco com os kuaizis.
“Ele é realmente divertido.”, pensou. “Mas eu devo estar enferrujado para ele me ver tão facilmente.”
— Realmente… não esperava um simples obrigado. Mas, você é mais que os rumores que assombram o círculo.
— Rumores? — Ling Shan perguntou curioso. — É a segunda vez que diz isso… Você me investigou? — O cantor continuou a perguntar.
“Muito esperto também.”
Zhuo Yang bateu os dedos sobre a mesa.
— É possível, embora não fosse nada pessoal. — Mentiu, a princípio foi puramente pessoal.
— O que descobriu?
— Se tudo saísse em mídia? — Seus olhares se encontraram. — Escândalos sexuais e prostituição, uso de substâncias proibidas. Várias tentativas de suicídio. Fraudes contratuais, sonegação de impostos. — Ele baixou a voz. — Além disso… você mantém um relacionamento com seu cunhado.
“Fraudes e sonegação, eu não sabia”
— Você deixa tudo para o seu empresário cuidar. Seu agente é um laranja, porque a pessoa responsável por tudo é Cheng Yin. — Zhuo Yang continuou. — Dizem que você gosta de sexo selvagem também. — Deu de ombros, aquele olhar cheio de audácia e arrogância.
— A-Cheng então está fraudando… Aquele maldito!
— Não sabia? — A expressão de Zhuo Yang era de confusão.
Maldição! Cheng Yin era mais louco do que Ling Shan pensava! E este último riu e deu um gole em seu chá.
— Yang Ge, você acha que o amor é cego?
O empresário colocou a mão no queixo, pensativo.
— Sou incapaz de dizer, nunca me apaixonei.
Ling Shan sentiu-se surpreso com tal informação, mas manteve uma expressão neutra.
— O mundo diz que o amor é cego, mas na verdade, a paixão que é. No amor você enxerga os defeitos e na paixão todos eles queimam pelo fogo ardente que envolve ambas as partes. Uma cegueira estúpida e infeliz que pode leva-lo ao inferno. Eu era apenas um tolo apaixonado e viciado pelo sentimento de possessividade e controle, não alguém que o amava. Transformei a luxúria em algo baixo e descontrolado, me agarrei ao desespero e me afoguei.
Ling Shan só poderia resumir assim, todos aqueles sentimentos desse corpo ele conhecia. Ele tinha um entendimento profundo dessa pessoa e se sentia mal por ela.
— E o que te fez acordar disso, então? — Zhuo Yang perguntou com cuidado e olhou em seu rosto, tentando buscar cada micro expressão e movimento.
— Eu morri. — Literalmente. — Afogar sem ter ninguém para lhe salvar é fatal… — O peito apertou, Ling Shan sentiu um sufocamento. Isso não sou eu.
Um olhar triste, e desfocado na direção do copo de chá quente. Os lábios comprimidos e os dedos passando pela borda da mesa, insaciáveis. Era uma visão um tanto frágil de se ver.
— Desculpe. — Ling Shan enxugou as lágrimas.
Após algum tempo pensativo, Zhuo Yang decidiu que não deveria perder o momento. Era um pouco apressado, mas já estava cansado de esperar também. Já haviam se passado dez anos para ele. Zhuo Yang passou um lenço para ele.
— Eu posso te ajudar.
Eram as palavras esperadas. Ele sabia que Zhuo Yang tinha algo contra Cheng Yin.
— Se você quiser, realmente posso ajudá-lo. — Zhuo Yang ajeitou sua postura para parecer mais confiante.
O olhar atrás daqueles óculos dourados era sincero e determinado. Como se tivesse disposto a tudo. Ling Shan aceitou o lenço e agradeceu, secando a borda dos olhos.
— Ajudar em quê? — O cantor fingiu ignorância.
Zhuo Yang sorriu de lado e cruzou as pernas e braços simultaneamente.
— Não sei se é um impulso repentino ou algo que têm pensado por muito tempo, mas aquele dia pareceu a gota d’água para você. Sua relação com Cheng Yin nunca foi saudável, além de ser conturbada e tem sua irmã e toda sua família envolvida. — Ele fez uma pausa curta. — Sua intenção é se desligar dele… e provavelmente de sua família, já que tem anos que não volta para casa.
Ling Shan tamborilou com os dedos na mesa, parecendo pensativo.
“Homem bonito! Homem charmoso! Homem inteligente!”
Se Zhuo Yang soubesse que essa fachada era apenas uma forma de autocontrole, não esclareceria tão sinceramente seus desejos.
— Você pode me usar do jeito que quiser. Meu corpo, minha influência, meu dinheiro… — ele riu e acrescentou — o que você quiser de mim. — Ele pegou o copo de chá na mesa e levou até a boca, seu olhar nunca deixando o outro. — Quero alinhar nossos interesses.
Seu olhar fez com que Ling Shan estremecesse. Ele parecia um lobo feroz, faminto.
— Nem a chuva é gratuita nesse mundo. — Ling Shan inclinou suavemente a cabeça e ergueu o queixo. — Se está me dando “tudo”, o que você quer de volta?
— Não é nada demais. — Ele colocou o copo na mesa, o cantor seguiu esse movimento. Ele realmente gostava das mãos desse homem. Zhuo Yan abriu um sorriso carregado de malícia. — Você. Eu quero usá-lo para derrubar Cheng Yin e também… quando puder me aceitar… você.
Ling Shan olhou-o por um instante e estreitou os olhos.
— Você me deseja. Meu corpo… um acordo muito parecido com prostituição.
— Não leve a mal, é apenas uma desculpa para que nossos corpos conversem. Uma oportunidade dessas, eu não poderia deixar escapar por minhas mãos. — Ele deu de ombros, pretensioso.
— Deixar que nossos corpos conversem? Que bela desculpa!
Zhuo Yang estreitou os olhos e seus lábios abriram num sorriso perigoso. Parecia ter perdido o pouco de paciência.
— Acha que sou estúpido, Ling Shan? — Ele se levantou e deu a volta na mesa, parando em frente ao outro e puxou uma cadeira para ficar ao lado de Ling Shan e falou em seu ouvido. — Eu percebi seu olhar aquele dia. — Ele pegou a mão de Ling Shan e colocou sobre o peito, debaixo do paletó. — Não quero parecer arrogante, mas tenho confiança em minha aparência e em meu corpo.
Zhuo Yango guiou as mãos de Ling Shan em seu abdômen. O cantor conseguia sentir cada músculo tensionar debaixo da camisa social. Seu olhar estava focado naquele par de mãos poderosas.
— Sabe, eu detesto esse tipo de olhar. Me incomoda bastante porque me parece que sou apenas um pedaço de carne. — Zhuo Yang puxou a mão de Ling Shan mais para baixo, colocando sobre as calças. — Mas, isso me excitou. Eu realmente quero foder você…
Ling Shan engoliu a seco e sentiu uma gota de suor descer pela testa. Ele olhou para o lado, mas incrivelmente ninguém prestava atenção neles.
— Yang Ge, você enlouqueceu? O que está tentando fazer?
— Sua reputação, se é que você tem uma, não é melhor que a minha e…
Eles estavam muito próximos. O sinal de alerta na cabeça de Ling Shan apitou.
— Esse acordo não parece ser unilateral demais? — Tentou desviar o rumo da conversa.
— Nós temos um mesmo inimigo, assim dizer. Naturalmente, meus interesses, com o tempo isso será revelado. — Ele mordiscou o lóbulo da orelha de Ling Shan. — O que acha? Não parece ser bom o suficiente?
Ling Shan petrificou. Uma atitude tão íntima assim no meio da rua!
— Hmm… parece bom…
Zhuo Yan beijou a lateral do pescoço de Ling Shan, que o segurou pelo blazer.
— Vamos, então? — O mais velho perguntou.
— Para onde? — Ling Shan sussurrou, ele sentia um formigamento onde havia sido beijado.
— Minha cama.
Assim que as duas palavras saíram, Ling Shan caiu em si.
— N-Não! — Sua voz saiu mais alta do que gostaria e chamou atenção das pessoas por perto.
— Certo! — Zhuo Yang fez sinal de rendição e voltou a ficar quieto.
Era divertido brincar com ele.
O homem riu tanto que duas pequenas gotas d’água se acumularam no canto de seus olhos. Quando parou de rir, ele notou que o cantor em sua frente estava levemente emburrado, fazendo beicinho e com os braços cruzados.
— Continue fazendo essa expressão e vou fazê-lo no beco de trás.
Ling Shan abriu a boca num “O” perfeito.
— Você…! — Fera maldita!
— Eu? — Seu sorriso aumentou ainda mais.
— Já lhe apelidaram de yokai*?
O sorriso nos lábios de Zhuo Yang diminuiu, ao contrário de sua aura demoníaca que aumentou. Perigosa, sedutora e arrogante.
Mas, a pessoa a qual Ling Shan se referia, já não lhe dava atenção e tinha começado comer sua tigela de macarrão.
— Realmente muito bom. — Lambeu os lábios ao sentir a ardência da pimenta.