25. Atraindo uma borboleta (II)
Às quatro e meia da manhã seguinte, depois de ter dormido por menos de duas horas, Ling Shan foi acordado pelo som da campainha. Abriu os olhos assustado com algo tão repentino no meio da madrugada.
Ele vestiu um roupão quente, calçou um par de pantufas e desceu para atender. Assim que olhou pelo sistema de segurança, através da câmera, sua irritação desapareceu e franziu a testa, mostrando um semblante preocupado.
— São quatro e meia da manhã. — nem tomou o trabalho de ser gentil — Chun Hai, há horário comercial por algum motivo!
Ainda que reclamasse disso, o cantor deixou que ele entrasse. Para vir em tal horário, provavelmente se tratava de algo urgente.
Chun Hai estava tão bonito como sempre, mas ainda mais charmoso do que nunca porque raramente ele vestia roupa social e seu cabelo estava um tanto bagunçado. Ele carregava uma bolsa de couro em suas mãos. O policial olhou para o relógio.
— Acabei de sair do trabalho, achei que era mais tarde. — recostou o corpo no batente da porta, parecia um tanto cansado com as olheiras profundas e a barba por fazer — Perdoe-me, posso voltar outra hora.
— Você está aqui… entre. — deu um passo para o lado, permitindo sua passagem.
Ling Shan esperou que ele entrasse e se acomodasse antes de fechar a porta e logo em seguida, ele se jogou entre as almofadas macias e por fim, agarrou uma, abraçando-a. Estava frio no primeiro andar, então pegou o controle para ligar o aquecimento. Chun Hai sorriu ao ver um desenvolvimento espetacularmente fofo.
— O que foi?
— Já lhe disseram que você é fofo? — perguntou ao se sentar ao lado dele, o policial parecia se sentir em casa.
— Quem falou, está acusando um mentira, Sr. Policial. — inclinou a cabeça enquanto falava.
— Você está dormindo direito? — apontou para as olheiras no rosto do cantor.
Ling Shan bocejou antes de responder.
— Duas ou três horas por noite. Não é tão ruim quanto parece.
— Então peço desculpas por incomodá-lo tão cedo, mas era melhor eu vir o quanto antes.
— O que é tão urgente?
— Vou ir diretamente ao assunto. — fez uma pequena pausa ao tirar uma pasta da bolsa de couro — Não é seu pai quem está patrocinando sozinho seu ex-empresário. Isso seria fácil demais para você derrubá-lo e ainda tomaria tudo para si, porém há alguém que merece sua atenção. Juíz da Suprema Corte Park. Park Mingzi e tio materno de Zhuo Yang.
Ling Shan, por um momento arregalou seus olhos. Conhecia tal pessoa, um juíz federal que sempre estava nas páginas de revistas, sentenciando os maiores nomes do crime em Huaxia. Só não sabia que era tio de Zhuo Yang.
Vendo a breve confusão do cantor, o policial decidiu explicar.
— Zhuo Yang é filho de Park Yuna. Ela veio junto com o irmão depois de ter sido perseguida politicamente por vários partidos. Na época, os dois eram jovens, mas estavam prestes a ganhar as eleições federais, mas nos dias finais antes da votação, houve várias tentativas de assassinato e também uma ameaça em rede nacional. — Ling Shan escutava com atenção — No final, ela venceu as eleições, mas logo após renunciou a sua vitória e pediu refúgio internacional. Eles tinham alguns parentes aqui e rapidamente, Park Yuna se casou com Zhuo Min, pai de Zhuo Yang, mas seu Park Mingzi sempre foi solteiro e apenas recentemente se casou com uma modelo, vinte e cinco anos mais nova que ele.
— Bem típico, não é mesmo?
Chun Hai lhe entregou uma pasta preta e o cantor começou a folheá-la, capturando cada parte daquele dossiê. Dados pessoais, encontros nas docas e no próprio Cassino do Lótus, bem abaixo de seu inimigo, transações bancárias, contas no exterior, fotos comprometedoras e também havia um pendrive na última folha do catálogo.
Quando terminou de analisar, após longos minutos em silêncio, citou, pausadamente, cada um dos crimes descritos naquelas páginas.
— Corrupção, venda de armas, tráfico de drogas, prostituição, formação de quadrilha, aliciamento de menor, estupro… — ele parou de repente e olhou para Chun Hai — A polícia conhece tudo isso?
A expressão de Chun Hai não foi a melhor e seu semblante escureceu. Ele travou o maxilar e desviou o olhar para o teto. Estava envergonhado por isso.
— Uma parte da linha policial é corrupta, Ling Shan. — riu irônico e depois repetiu — Uma boa parte… — suspirou — Esse material estava, em boa parte no escritório do meu capitão… isso não se trata mais apenas de você. Vou precisar levar o caso para o serviço de inteligência. Recomendo se preparar não somente para exposição pública.
Quando disse a última frase, ele encarava Ling Shan, com um olhar profundo, como se uma faísca tivesse ativado algo dentro dele e começasse queimar lentamente. Chun Hai parecia mais frustrado e culpado do que qualquer outra coisa.
Por um momento, Ling Shan quis o abraçar e confortá-lo. Ele fechou os punhos com força.
— Isso envolve muita sujeira que pode atingir seu namorado.
O cantor sentiu o peito apertar.
— E se eu quiser desistir?
— Tenho o que preciso para uma denúncia formal de corrpução. Preciso levar adiante.
— Aaah… — afundou o rosto na almofada e logo depois o virou, para o lado do policial — Posso ficar com isso?
— Fiz algumas cópias e deixei com algumas pessoas de minha confiança. — inclinou a cabeça ligeiramente para o lado.
Ele sacudiu a bolsa e tirou outra pasta.
— Esse é o outro pedido que me fez. Faça isso com calma.
O cantor o pegou e, em seguida, a sala ficou em silêncio. Aquilo parecia com o passado, Ling Shan sentiu uma nostalgia crescer em seu peito. Em sua vida passada, eles costumavam passar tempos assim, num silêncio confortável, apreciando a presença um do outro. Depois se abraçavam e se aconchegavam um no outro, no final de um dia desgastante.
Então eles bebiam um chá ou um vinho e se divertiam jogando, assistindo filmes ou se tocavam ocasionalmente. Nunca chegaram a ir até ao final do sexo porque tinham rotinas desgastantes, mal se viam. Chun Hai porque passava mais tempo na delegacia do que em casa e Lin Shan por estar entre empregos, faculdade e pesquisa, pesquisa, pesquisa…
Se ele quisesse, nesta vida…
— Geralmente, não me envolvo com clientes… é uma pena que você tenha um namorado.
Era aquele olhar, o cantor pensou. Aquele olhar de como se Chun Hai quisesse afogá-lo em sua escuridão pessoal e que ele iria de bom grado todas as vezes. Aos seus olhos, esse policial era quase irresistível. Ling Shan engoliu a seco.
Mas, isso era no passado. Tudo o que sentia era uma perda, essa não era a mesma pessoa pelo qual se apaixonou lá atrás e seu coração estava aprendendo a apreciar outra pessoa.
Ling Shan abriu um sorriso.
— É realmente uma pena… há um quarto de hóspedes sobrando. Use-o por esta noite, tem toalhas no banheiro e também há um par de pijamas na gaveta do guarda roupa. — ele se espreguiçou — Você parece muito cansado, Senhor Policial.
Ele deu um tapinha no ombro de Chun Hai e o puxou pelo pulso para o segundo andar, levando-o até o quarto.
Se ele soubesse que aquele resto da madrugada, seu nome tivesse ecoado pelas paredes do banheiro enquanto Chun Hai se aliviava, não teria oferecido a cama para ele dormir, mas o tinha chutado para fora da varanda. Ousado! Ele era muito ousado!
Quando Zhou Ru acordou pela manhã para ir para o aeroporto e viu um ser estranho no sofá, que tinha voltado para somente buscar o celular e acabou dormindo ali mesmo, um grito ecoou por toda a casa acordando todos ali.
O pobre Zhou Ru foi acertado por uma almofada vinda do segundo andar.
Os irmãos Ling tinham a mesma expressão de raiva vinda do segundo andar enquanto Chun Hai estava confuso por ter sido acordado de repente.
— Porra, Ru Ge! — esse era Ling Ai, com os braços cruzados, chamando atenção de todos os três.
Quando foi que ele havia aprendido a usar palavras tão baixas?!
***
Os funcionários da L.S. estavam tensos. A movimentação dentro da empresa desde a abertura estava incomum. Primeiro foi o chefe no primeiro horário da manhã, acompanhado por um policial. Logo depois, o advogado que chegou logo atrás. Havia também a presença dos irmãos Zhuo, o que se tornou um pouco estranho, visto que além de ser a concorrência, Zhuo Yang também era a esposa do chefe. Mas, o que fez todos assustarem, foi a presença de Cheng Yin também acompanhado de seu advogado, uma hora depois.
Todos estavam curiosos: que tipo de cena veriam hoje?
Pois bem. A equipe de segurança estava em alerta máximo para qualquer tipo de situação.
Mas antes disso, assim que a secretária abriu a porta do escritório de Ling Shan, a temperatura baixou bruscamente. Ling Shan gargalhava enquanto Chun Hai segurava-o pela cintura. Eles pararam imediatamente quando viram o par de irmãos chegar e Ling Shan amenizou seu sorriso ao vê-los. Separou-se da presença de Chun Hai e se aproximou do Zhuo mais velho, como se fosse um cão vendo seu dono.
— Disse que não precisava vir.
— Não iria lhe deixar sozinho. — passou uma mecha de cabelo do cantor para trás.
Zhuo Fan sentiu um arrepio. Que tipo de palavras amenas e gentis eram essas saindo da boca de seu irmão mais velho? Porra! Ele havia morrido! A expressão em seu rosto foi de susto ao espanto num instante. Zhuo Yang estava, definitivamente, estranho. No entanto era mais que um simples arrepio! Sua boca era ‘gentil’, mas seu olhar dirigido para o homem do outro lado da sala era friamente mortal.
— Este é…
Antes que Ling Shan pudesse responder, o policial tomou a frente, estendendo a mão.
— Detetive Chun, senhor Zhuo.
Zhuo Yang sorriu amigavelmente estendendo-lhe a mão também.
Eram como duas cobras se encarando, prestes a disputar por sua presa.
— É um prazer, Detetive Chun.
Zhuo Fan queria vomitar ao ver essa cena. Sinceramente, existiam melhores pessoas no mundo para se ter uma disputa amorosa. Ainda mais depois do que seu irmão mais velho passou por causa desse cantorzinho.
— Ele me trouxe algo que também é do seu interesse. — virou-se para Zhuo Fan — E também do cunhado.
Embora a palavra cunhado fosse algo que deixava Zhuo Fan meio enjoado, ele focou no em outros pontos. Algo que poderia interessá-los?
Um palito de incenso depois, Zhuo Fan entendeu. Ele deu um sorriso estranho quando ouviu o nome de Park Mingzhi e olhou para o irmão, que parecia imperturbável. O detetive explicava algumas coisas enquanto o Zhuo mais velho terminava com a última página.
— Isso vai dar muita dor de cabeça. — Zhuo Yang comentou — Posso destruir meu tio, ainda que eu sofra algumas perdas, mas não tenho tanto acesso à polícia. Há algumas pessoas que me devem favores, mas estão tão sujas quanto esses nomes e… — voltou a página que cobria sobre prostituição de menores. — Tem Ling Zhan, esse cara é muito escorregadio.
— Apenas use isso aqui para fazer uma denúncia formal. Com tudo o que o irmão mais velho tem, é possível controlar a situação. — Zhuo Fan, que também era advogado, mas nunca exerceu a profissão, apontou — Você precisa de uma das vítimas apenas Ling Shan e meu irmão, alguém que foi enganado. Ele é ótimo em atuar. Depois disso, use o juíz que lhe deve um favor, ge. Ele não tem apreço ao Park Mingzhi.
— Isso… é uma boa jogada. — Chun Hai concordou e olhou para Ling Shan — No entanto, você estaria completamente exposto. Isso poderia acabar com tudo o que você construiu até hoje.
— Por que eu estaria exposto? — ele não conseguia entender qual a relação disso.
— O conteúdo do pen drive… há uma pasta com seu nome… não assista sozinho. — desviou os olhos para o Zhuo mais velho, que conseguiu entender do que se tratava o levantamento do policial — Você será chamado para depor, Ling Shan e vai precisar de tudo para aliviar seu lado;
Ling Shan tinha algum entendimento do que poderia se tratar. Depois de ter sido exposto publicamente com aquele vídeo de sexo, era capaz de entender. Provavelmente eram as sessões de prostituição ao qual Cheng Yin o induzia a participar.
— Seria mais fácil usar meus meios para acabar com eles.
Pela expressão e posição social de Zhuo Yang, o policial entendeu suas palavras.
— Falando em assassinato na frente de um policial? Não tem medo?
— Senhor Chun… se eu tivesse medo não estaria em minha posição atualmente.
— Até mesmo reis podem cair. — retrucou ironicamente.
Zhuo Fan olhou para Chun Hai admirado. Ele gostava dessa pessoa! Finalmente seu irmão encontrou um oponente digno! Hahahahaha! Definitivamente ele apreciava esse irmão mais novo!
— Não antes de levar todos os dragões para o inferno com ele. — abraçou a cintura de Ling Shan com mais vontade e olhou para ele.
O cantor deu um tapa no peito de Zhuo Yang.
— Pare de falar besteiras!
Toc. Toc.
A porta do escritório se abriu.
— Sr. Ling, com licença. — a mulher baixinha de meia idade colocou o torso para dentro da sala — Cheng Yin já chegou.
— Obrigado, senhora. Vocês podem sair. — fechou as mãos em punho — Vou lidar com esse desgraçado.
— Já disse para você…
— Saia. — Ling Shan repetiu, encarando com determinação a pessoa que segurava sua cintura.
Chun Hai, assim como Zhuo Fan não pensaram uma segunda vez antes de se levantarem para sair e deixarem os dois sozinhos. Assim que fecharam a porta, Zhuo Fan soltou a respiração e resmungou baixinho:
— Ele não parece ser a mesma pessoa.
— Você diz, Ling Shan?
Chun Hai foi abençoado como uma boa audição.
— Sim, sim… ele parece ser outra pessoa. Como se a alma tivesse trocado. — seu tom era um tanto zombeteiro.
Felizmente, Zhuo Fan não era alguém religioso e desacreditava numa transmigração nem em renascimentos.
— Muitas pessoas mudam depois de passar por traumas, Senhor Zhuo.
Zhuo Fan ficou quieto e colocou as mãos no bolso. Olhou pensativamente para as luzes do elevador, que demarcavam os andares, no final do corredor.
— É verdade…
Chun Hai se surpreendeu com a tristeza que o homem teve de repente, o que não durou muito visto que uma cabeça loura sorriu ao vê-lo.
— O ar está infestado de baratas. — o loiro colocou a mão na boca, como se estivesse enojado — Senhorita Tai, não tem pesticida aí?
O desgosto de Zhuo Fan era grande o suficiente para ser capaz de ignorá-lo. Ele simplesmente se sentou no sofá da recepção e o policial o seguiu. Sua intuição lhe dizia para esperar mais um pouco.
— Baratas? — falou o Zhuo mais velho saindo do escritório de Ling Shan — É dificil matá-las. Incomodam tanto que às vezes precisamos contratar pessoas para matá-las.
Ling Shan encarou seu ex-empresário, acompanhado por seu advogado. Ele estava bem vestido e relaxado, mas, no fundo, sabia que era só uma fachada e ele adoraria arrancá-la.