26. Liberdade
Ling Shan mal havia fechado a porta, não queria perder tempo e já havia ido ao assunto principal.
— O que você quer para assinar?
Cheng Yin sentou no sofá, colocando os pés sobre a mesa de centro. O cantor, por outro lado, foi até sua mesa, escorando-se em sua borda. Ele cruzou os braços, seu rosto escurecido.
— Você estaria disposto a me dar o que eu desejo? — o louro também seguiu em frente, não queria estar
— Se estou disposto ou não, é difícil dizer… sou incapaz de ler mentes ainda.
O loiro deu uma risada sacana. Ele girou o pescoço, olhando para a janela.
— Lembra da primeira vez que eu te fodi? — olhou de volta para o cantor — Foi aqui na sala, em cima da mesa. Você parecia uma puta, pedindo para que eu metesse em você até desmaiar.
Cada palavra que saía da boca de Cheng Yin o deixava enojado a ponto de sentir ânsia de vômito. Seu corpo fraquejou ao conseguir se lembrar exatamente de cada detalhe daquele dia.
— Você me prendeu entre as pernas e pediu para gozar dentro. — o sorriso dele aumentou — Com o passar dos anos, ficou pior porque com as drogas… ah! Você não queria apenas a mim… qualquer coisa que andava.
— Cheng Yin. Vender meu corpo não queria dizer consentimento.
— Você queria. — insistiu — Queria foder e eu queria dinheiro.
O cantor deu a volta na mesa e serviu para si um copo d’água. Era incapaz de entender como tudo o que aconteceu com Ling Shan por vários anos e ninguém fazer nada. E Cheng Yin. Havia esse miserável que se mostrava cada vez mais nojento ao abrir a boca para falar todo tipo de estupidez.
Mais do que nojo, a incredulidade que sentia era incapaz de ser medida. Se existisse alguma escala astronômica para isso, provavelmente seria um valor com potência infinita. A água desceu pela garganta com um gosto amargo e bufou, de raiva, impaciência, descrença… Porra!
As mãos foram no cabelo, enrolando-o num coque mal feito e respirou fundo. Estava nervoso e o louro percebeu. Ele sempre percebia.
Cheng se desencostou do sofá e dobrou o corpo para frente, com os cotovelos sobre os joelhos e encontrou os olhos de Ling Shan. Um sorriso convencido habitava seu rosto bonito, mas que era incapaz de deixar o outro apreciá-lo devido às barbáries ao longo dos anos.
— Podemos resolver isso discretamente ou posso fazer um escândalo internacional, Cheng Yin.
Um bufo de ironia, quase como risse da declaração de Ling Shan evadiu daqueles lábios mentirosos que prometeram a felicidade. Não havia um minuto sequer desde que estivesse nesse corpo que fosse silencioso, sua mente estava mais ansiosa do que nunca, não conseguia dormir tranquilamente, sempre remoendo e se lembrando de cada abuso que sofreu, toda vez que alguém o tocava, sempre se esforçava para não demonstrar nojo.
Mesmo quando naquele dia, ao subir ao palco como Ling Shan. A única coisa que desejava era fugir. O show havia sido inteiro um playback, além de mal falar com os fãs.
— Não quer perder sua carreira.
Ling Shan balançou a cabeça.
— O que você quer para assinar?
— Ling Shan… Ling Shan…
O louro flexionou os joelhos para cima, se levantando e caminhou pelo escritório, ficando de frente para o cantor, com apenas a mesa os separando.
— Eu não queria nada, mas se você está me oferecendo… não vou recusar.
Cheng Yin olhou de cima para baixo e percorreu o caminho de volta, o que deixou Ling Shan com um pressentimento ruim. Ele quase gaguejou quando respondeu:
— N-Não vou dormir com você outra vez.
— Uou! — fingiu surpresa e se afastou da mesa, com as mãos para cima e continuou num tom irônico — É claro que não!
Ling Shan puxou a cadeira presidencial e se sentou enquanto via Cheng Yin virar-se de costas colocando as mãos no bolso.
— Volte para casa. — estralou o pescoço — Deixe Zhuo Yang e contratamos outra pessoa para cuidar de você.
Uma gargalhada cresceu dentro do escritório.
— Que ridículo! — seus olhos estavam marejados e ele sorria, gargalhava e dobrou o corpo, deixando a cabeça cair sobre a borda da mesa. — Ling Zhan e você, dois homens patéticos. Quer saber… não assine. Podemos resolver isso num tribunal!
Por um instante, Cheng Yin ficou quieto. Apenas a risada de Ling Shan, ainda ecoando por cada canto daquele escritório. De repente, ele se virou em passos pesados e bateu na mesa.
Bam!
O cantor olhou para cima, secando as bordas dos olhos, ainda de bom humor e encarou seu ex-empresário, ou melhor, a pessoa na sua frente, seu ex-amante.
— Acha que eu queria estar aqui? Mas, não sou eu quem controla tudo, seu pirralho mimado! — ele riu seco, travando o maxilar e apontou o dedo para o mais novo — Se eu pudesse… se eu pudesse, já tinha colocado as mãos em você.
Sua respiração estava pesada e o rosto avermelhado, as veias proeminentes da pele, pulsando tanto quanto sua vontade de puxar o cantor para fora dali. Havia atingido o ápice da raiva, os olhos focados no objeto que lhe causava isso.
Então, Ling Shan pensou, ele poderia perder a compostura dessa maneira, ter tanto medo e ser impotente. Não devia, mas sentia-se melhor vendo-o assim. Estava assustado com alguém.
Mas Ling Shan se manteve na posição inicial, mesmo que isso lhe custasse toda a força que tinha, seu corpo tremesse e a garganta secasse. As lembranças dolorosas surgindo uma pós a outra. Segurou firme nos braços da cadeira.
“Nunca. Recuar.”
— Não se esqueça quem controla todas as suas contas. Quem tem acesso a tudo seu…
— Não se esqueça Cheng Yin… — falou fraco e baixo — não se esqueça de conferir todos os documentos que assina, Cheng Yin.
Ele estreitou os olhos e inclinou a cabeça, ainda encarando o cantor. No instante seguinte, por um impulso, Cheng Yin o puxou pela gola da camisa, atacando-lhe os lábios.
O louro, impaciente, deslizou a língua, tentando forçá-lo a beijar de volta e a outra mão, tentou passar pela cintura de Ling Shan. Por um momento, Ling Shan ficou sem reação, mas em seguida tentou empurrá-lo, socando-o no peito. No entanto, Cheng Yin era mais forte e o segurou com firmeza.
Ling Shan se remexeu, segurou seu braço e abriu a boca, mordendo-lhe os lábios com força. Foi o momento perfeito para que o empurrasse com toda a força, dando-lhe um soco no rosto, jogando-o para trás. O louro se desequilibrou, caindo sobre o encosto do sofá, mas se segurou para que seu corpo não virasse.
— Saia daqui! — gritou —SE PERCA!
Mas Cheng Yin não se moveu, parecendo surpreso com a reação de Ling Shan e o cantor pegou um cinzeiro sobre a mesa e o jogou na direção do empresário. O objeto atravessou a sala, passou por cima de Cheng Yin que se abaixou e apenas parou na porta. O cinzeiro de vidro caiu no chão, tornando-se vários pedaços quebrados.
— VAI! SE PERCA!
Com um mínimo sorriso, ele ajeitou suas roupas.
— Bem… tenha um bom dia Ling Shan.
Ling Shan o viu sair da sala calmamente, como se nada tivesse acontecido.
Ling Shan se jogou na cadeira, olhando para o teto.
Ling Shan procurou na gaveta, desesperadamente, o maço de cigarro.
Ling Shan acendeu o cigarro e inspirou profundamente. A nicotina, entrando pelos pulmões, o fez relaxar parcialmente. Ele olhava para a porta, incerto e com o coração acelerado. Ele não se acalmou até acabar com todo o maço de cigarro e pegaria outro se não tivesse sido impedido por Zhuo Yang.
Ele o encarou com raiva. Seus pulsos foram agarrados com força e havia aquele olhar de repreensão em sua face.
— Não faça isso, vai destruir sua voz.
— Desculpe. — balançou a cabeça e depois inclinou o corpo para frente encostando a cabeça no abdômen de Zhuo Yang, onde seus braços foram soltos e ele abraçou a cintura do homem — Devia ter visto a expressão dele quando o aconselhei a verificar os documentos que assinava.
— Como está?
— Enjoado.
— Não ouse fazer isso em mim.
— Não suportaria. Um terno tão caro quanto o seu, merece todo o cuidado.
Zhuo Yang sorriu.
— Vai ficar bem?
— Nem um pouco.
O mais velho se afastou a fim de olhar para o rosto do cantor. A palidez ainda abrangia por sua pele e sentia o tremor percorrer pelo corpo dele. Ling Shan parecia prestes a ter um colapso nervoso.
— Shan. Vou levá-lo ao hospital.
— Não. Peça ao doutor que venha, meu celular…
Ling Shan segurou o tecido do blazer de Zhuo Yang com ainda mais força, que o ajudou a se levantar e se deitar no sofá.
Ele viu o empresário ocupado ligar não apenas para o médico, mas também ao psiquiatra. Estava mais nervoso que ele, o paciente que precisava de ajuda. Andava por todos os lados do escritório.
Teve um momento em que precisou sair por alguns segundos e depois seu irmão mais novo entrou, junto de Chun Hai. Ele escutou suas vozes, mas não conseguia abrir o olho. A escuridão era tranquila e era possível relaxar, deixar a tensão de lado. Estava contente que era capaz de relaxar num momento como o que passava.
As vozes estavam tão longe, embora pudesse escutá-las. Ele queria rir dessa situação patética e infeliz. Sentia-se um tolo.
Não recuar. Não recuar. Não recuar. Não recuar.
Não recuar. Não recuar. Não recuar. Não recuar.
Não recuar. Não recuar. Não recuar. Não recuar.
Sempre viveu assim, sem espaço para volta, sufocado. Queria um cigarro. Queria chorar e chorar até desidratar e morrer. Ele se sentia feliz por morrer em seu corpo original, mas havia encontrado algo ainda pior. Felizmente, havia acabado. O imbecil havia assinado a própria demissão. Demissão por justa causa. Ele também não levaria nada dele.
Imbecil.
Abriu os olhos. Ainda estava no escritório. Tentou se levantar. Doutor Qiang era quem estava mais próximo, ele foi quem se aproximou, colocando a mão em suas costas, ajudando-o a ficar sentado.
— Hoje pela manhã eu recebi o que mais eu esperava.
Passou a mão no rosto, sorria inconscientemente.
— Leia sempre o que você assina Doutor. Vou pedir ao meu advogado uma ordem de afastamento. Irei levá-lo para o tribunal, se for preciso.
Qian Jin o analisou por alguns segundos antes de responder. Seu olhar suavizou e ele puxou um papel de dentro da sua pasta.
— Verifiquei sua agenda com Donnah. — escreveu algo no papel — Venha me encontrar nesse endereço amanhã.
Ling Shan olhou o endereço no papel. Era um lugar estranhamente familiar, mas não conseguia se lembrar onde e nem quando já havia estado naquele lugar. Ele encarou o psiquiatra, bastante confuso.
— Alguém me procurou há algum tempo. — Qian Jin sorriu, um sorriso que ressaltava seu charme — Mas, você está melhor agora. Está pronto.
Ele era sempre assim. O Ling Shan original sempre o achou um tanto estranho por isso. Misterioso, enigmático, falava raramente de forma direta e sempre estava o analisando. Não parecia somente por ele ser um psiquiatra, algo que provocava alguns arrepios.
Mas, o antigo Ling Shan confiava nesse homem.
— Tudo bem. Obrigado Doutor.
Não muito depois da saída de Qiang Jin, inesperadamente, a pessoa que entrou foi Chun Hai. Ele colocou a cabeça para dentro da porta e pediu permissão para poder entrar, o que Ling Shan achou muito gentil.
— Só vim me despedir.
— Obrigado. — Ling Shan se levantou e lhe deu um abraço.
O detetive ficou um tanto desconcertado, mas o envolveu entre seus braços. Inspirou profundamente, sentindo o cheiro do cantor. Foi algo tão inesperado, mas parecia tão natural a se fazer isso.
Ling Shan se assustou por um momento e paralisou. Era o tipo de coisa que o seu Chun Hai sempre fazia quando estava com ele, quando se despedia. Isso o deixou com medo e ele se afastou:
— Continuo te devendo um encontro. — deu um passo para trás e cruzou as mãos nas costas, desconcertado.
Chun Hai, animado, abriu um sorriso.
— Isso é verdade, qualquer dia vou cobrar.
O policial engoliu a seco. Era o tipo de coisa que vinha evitando em toda sua vida: interessar-se por alguém comprometido. Seus olhos se estreitaram ao vê-lo timidamente, se afastar.
Durante o tempo que investigou Cheng Yin era inevitável não saber mais sobre Ling Shan. Não gostava de se envolver nas histórias de seus clientes, era contra sua política e ia contra a ética profissional, mas sentiu-se incapaz de não se compadecer, sentir empatia por ele.
Além disso, Ling Shan era alguém cativante. Tinha um brilho especial. Sabia que estava fodido, mas não avançaria um passo sequer em sua direção.
— E…
Alguém o interrompeu ao entrar na sala. Era justamente a pessoa em que Ling Shan estava comprometido. Não tinha chance nem de competir quando a outra pessoa era ele.
— Eu vou indo…
Nesse ponto, Ling Shan já estava atento a Zhuo Yang. Havia um carinho muito aparente na forma que o cantor olhava para o outro e, por mais que gostaria de esconder, Zhuo Yang era o mesmo.
— Ah… okay. — voltou seu olhar para o policial. — Vou ligar para marcarmos.
O policial deu a volta no sofá e passou por Zhuo Yang e eles trocaram um aceno sutil. O empresário ainda olhou para trás, parecendo notar algo estranho naquela pessoa. Olhou para Ling Shan um tanto desconfiado.
— O que foi?
— Ele estava flertando com você?
Ling Shan o encarou por alguns segundos, antes de abrir um sorriso malicioso. Ele girou o corpo no sofá, ficando de joelhos e colocou as mãos no encosto.
— Yang gege está com ciúmes?
Ele se aproximou com um sorriso nos olhos, de bom humor, ficando de frente à Ling Shan e o abraçou pela cintura.
— Ciúmes? De você? Por quê?
Ling Shan ergueu o corpo, sentindo o calor emanado pelo outro.
— Com essas palavras tão amargas? — fechou os olhos e balançou a cabeça junto ao seu corpo enquanto se encostava no peitoral do mais velho. — Chun Hai gege deixou você inseguro? — Ling Shan abriu os olhos encontrando os do outro e baixou para sua boca, que carregava um belo arco.
— Eu? Inseguro? — seus olhos se encontraram novamente.
Zhuo Yang o puxou com força pela cintura, juntando seus corpos. O cantor quase gemeu. Subiu uma das mãos pelas costas até lhe alcançar a nuca e prendeu a mão entre os cabelos. Inclinou a cabeça para o lado, analisando-o e com os lábios entreabertos, passou a língua por ali até que completasse todo o arco.
— Estaria fodido se eu sentisse ciúmes, não acha?
Ling Shan estava preso naquele recente movimento e mordeu os lábios, sentindo algo crescer. Suas mãos deixaram o encosto do sofá, uma encontrando o pescoço de Zhuo Yang e a outra subiu pelo seu quadril, encontrando o cós da calça e puxou para frente.
— Muito. Mas, eu estaria no paraíso. — baixou o tom de voz.
Sentiu sua cintura ser massageada. Gostava muito disso.
— Paraíso? — passou a mão por baixo da camisa, encontrando algo enrijecido e roçou os dedos suavemente. Viu Ling Shan suspirar, fechando os olhos brevemente. — Me explique.
— Hm… — olhou para as irises verdes — Um homem gostoso desse sentindo ciúmes de mim? Não seria o paraíso?
— Paraíso? — Zhuo Yang decidiu provocá-lo e dar o golpe final, desceu prontamente a mão para baixo, massageando lentamente.
Ling Shan abriu a boca, sem fazer som algum. A porta estava aberta, era capaz de escutar sua secretária conversando ao celular. Ainda havia gente no corredor.
Zhuo Yang se aproximou, beijando o lóbulo de sua orelha e deixando uma mordida singela em seu pescoço. Ling Shan já estava desperto. Um sorriso maldito estava nos lábios do empresário.
— Paraíso como foi com seu ex?
Ling Shan, de repente, se sentiu desanimado. Olhou para o mais velho, descrente com suas palavras.
— Filho da puta! — e o empurrou mais que depressa, se jogando no sofá com um biquinho nos lábios, seus cabelos se espalharam por todo lado — Idiota! Canalha!
Zhuo Yang colocou as mãos no bolso, ignorando completamente os xingamentos fofos que o cantor lhe proferiu.
— Mais tarde vou passar na sua casa — Zhuo Yang se autoconvidou com um sorriso convencido. — Levo champanhe. Preciso ir agora, A-Fan está me perturbando.
— Canalha — Ling Shan resmungou, o tom sarcástico e divertido ao mesmo tempo.
— Eu sei.
— Vou te buscar, seu canalha.
— Que honra…
— Não se anime, seu pervertido. Ai’er vai estar em casa.
— Isso importa? — Zhuo Yang provocou, o brilho de malícia em seus olhos.
Ling Shan, sem paciência, pegou uma almofada e jogou em direção a ele, que a segurou facilmente com uma das mãos, o sorriso ainda mais largo.
— Se perca! Se perca! — disse em tom brincalhão, tentando conter o riso.
— Até mais tarde, então — Zhuo Yang respondeu, a voz carregada de diversão.
Sem aviso, ele jogou a almofada de lado e, em um movimento rápido, capturou os lábios de Ling Shan com um beijo intenso e cheio de desejo. Quando se afastou, lançou um último olhar provocador, como se nada tivesse acontecido, antes de sair pela porta, deixando para trás, um Ling Shan completamente miserável.